A decisão de juros do Fed, o BC americano, foi o primeiro grande evento do dia. O corte de juros em 0,50%, apesar de ter sido precificado pelo mercado como provável e, portanto, de alguma forma já incorporado ao preço dos ativos, é a decisão que (tudo mais constante) tende a ter o melhor reflexo para os mercados durante as próximas sessões. Isso porque, após a decisão, fica nítido que a prioridade do Fed neste momento é manter o nível da economia americana em patamar saudável, reduzindo a restrição monetária que há neste momento, a fim de evitar o que Powell chamou de ‘doloroso crescimento no desemprego’, efeito que estimamos no texto de dois dias atrás. Mais do que isso, a decisão do Fed – de certa forma arrojada – mostra a disposição da autoridade monetária em evitar uma recessão.
Para além da decisão sobre a magnitude do corte promovido nesta reunião, a mudança de expectativas dos membros do comitê surpreendeu grande parte do mercado. Vale comentar que a cada três meses o Fed divulga as suas projeções. A última versão, de junho, mostrava perspectivas mais conservadoras para os juros. À época, os membros do comitê projetavam que a taxa de juros do país encerraria 2024 e 2025 próxima de 5% e 4,25% ao ano, respectivamente. Hoje, divulgadas as novas projeções, o documento mostrou que os membros do FOMC acreditam que as Fed Funds encerrarão 2024 e 2025 a 4,5% e 3,25% ao ano. Trata-se de uma mudança significativa (de aceleração) no ritmo esperado para a redução de juros. Hoje, espera-se mais dois cortes de 0,25% nas reuniões de novembro e dezembro de 2024 e 1% ao longo de 2025.
Por aqui, há pouco o BCB divulgou a decisão do Copom, que subiu a Selic em 0,25%, levando-a para 10,75% ao ano, conforme amplamente esperado pelo mercado. Eventuais novidades surgirão da comunicação feita pelo comitê. Uma forma de identificar mudanças na percepção do colegiado é por meio da nossa costumeira comparação entre os comunicados, parágrafo a parágrafo. Vamos a ela:
1º parágrafo:
Comunicado 31 de julho: O ambiente externo mantém-se adverso, em função da incerteza sobre os impactos e a extensão da flexibilização da política monetária nos Estados Unidos e sobre as dinâmicas de atividade e de inflação em diversos países. Os bancos centrais das principais economias permanecem determinados em promover a convergência das taxas de inflação para suas metas em um ambiente marcado por pressões nos mercados de trabalho. O Comitê avalia que o cenário externo, também marcado por menor sincronia nos ciclos de política monetária entre os países, segue exigindo cautela por parte de países emergentes.
Comunicado de hoje: O ambiente externo permanece desafiador, em função do momento de inflexão do ciclo econômico nos Estados Unidos, o que suscita maiores dúvidas sobre os ritmos da desaceleração, da desinflação e, consequentemente, sobre a postura do Fed. Os bancos centrais das principais economias permanecem determinados em promover a convergência das taxas de inflação para suas metas em um ambiente marcado por pressões nos mercados de trabalho. O Comitê avalia que o cenário externo, também marcado por menor sincronia nos ciclos de política monetária entre os países, segue exigindo cautela por parte de países emergentes.
Comentário: O início do comunicado mostra que o Copom identifica alguma melhora nas condições do ambiente externo, reforçada por reduções de juros em economias desenvolvidas como EUA e países da zona do euro (por meio do Banco Central europeu). O comitê ratifica que o aperto no mercado de trabalho (níveis significativamente baixos de desemprego, que apesar de positivos podem gerar pressão na inflação) é característica observada em diversos países, assim como os diferentes estágios de política monetária entre esses países – condição escancarada hoje, quando os EUA reduziram juros e nós aumentamos a Selic.
2º parágrafo:
Comunicado 31 de julho: Em relação ao cenário doméstico, o conjunto dos indicadores de atividade econômica e do mercado de trabalho segue apresentando dinamismo maior do que o esperado. A desinflação medida pelo IPCA cheio tem arrefecido, enquanto medidas de inflação subjacente se situaram acima da meta para a inflação nas divulgações mais recentes.
Comunicado de hoje: Em relação ao cenário doméstico, o conjunto dos indicadores de atividade econômica e do mercado de trabalho tem apresentado dinamismo maior do que o esperado, o que levou a uma reavaliação do hiato para o campo positivo. A inflação medida pelo IPCA cheio assim como medidas de inflação subjacente se situaram acima da meta para a inflação nas divulgações mais recentes.
Comentário: O segundo parágrafo trata das razões pelas quais o Copom teve de subir juros. O movimento de desinflação (redução na inflação) esgotou-se. No lugar, surge pressão de alta na inflação, com revisões para cima nas estimativas. A deflação de 0,02% registrada no IPCA de agosto teve contribuição na queda do preço da energia. Em setembro espera-se efeito contrário, à medida em que se incorpora os efeitos da bandeira tarifária vermelha patamar 2.
No comunicado de hoje o Comitê também mencionou o “hiato do produto positivo”. Trata-se da diferença entre o PIB atual e o PIB potencial, de certa forma estimados no texto de ontem, quando foi feito um exercício com a regra de Taylor. Utilizando uma ilustração para explicar a lógica do termo mencionado, seria como se um motor estivesse em uma rotação muito superior àquela projetada para que ele funcione. Caso permaneça assim por um período prolongado há de se esperar algum tipo de dano. Trazendo para a nossa realidade, o motor seria o PIB potencial, enquanto a aceleração maior do que a suportada seria o PIB atual. A expressão do dano seria por meio de inflação. Daí vem a piora nas estimativas, conforme observado e comentado recentemente.
3º parágrafo:
Comunicado 31 de julho: As expectativas de inflação para 2024 e 2025 apuradas pela pesquisa Focus encontram-se em torno de 4,1% e 4,0%, respectivamente. As projeções de inflação do Copom para o primeiro trimestre de 2026* situam-se em 3,4% no cenário de referência e 3,2% em cenário alternativo, no qual a taxa Selic é mantida constante ao longo do horizonte relevante.**
Comunicado de hoje: As expectativas de inflação para 2024 e 2025 apuradas pela pesquisa Focus encontram-se em torno de 4,4% e 4,0%, respectivamente. A projeção de inflação do Copom para o primeiro trimestre de 2026, atual horizonte relevante de política monetária, situa-se em 3,5% no cenário de referência (Tabela 1).
Comentário: A comparação entre as mudanças na estimativa mostra uma parte da piora nas expectativas de inflação, mas há de se dizer que o Focus tem tido um delay significativo em relação às projeções de mercado, que têm se deteriorado de forma mais rápida e intensa.
4º parágrafo:
Comunicado 31 de julho: O Comitê ressalta que, em seus cenários para a inflação, permanecem fatores de risco em ambas as direções. Entre os riscos de alta para o cenário inflacionário e as expectativas de inflação, destacam-se (i) uma desancoragem das expectativas de inflação por período mais prolongado; (ii) uma maior resiliência na inflação de serviços do que a projetada em função de um hiato do produto mais apertado; e (iii) uma conjunção de políticas econômicas externa e interna que tenham impacto inflacionário, por exemplo, por meio de uma taxa de câmbio persistentemente mais depreciada. Entre os riscos de baixa, ressaltam-se (i) uma desaceleração da atividade econômica global mais acentuada do que a projetada; e (ii) os impactos do aperto monetário sobre a desinflação global se mostrarem mais fortes do que o esperado. O Comitê avalia que as conjunturas doméstica e internacional exigem ainda maior cautela na condução da política monetária. Em particular, os impactos inflacionários decorrentes dos movimentos das variáveis de mercado e das expectativas de inflação, caso esses se mostrem persistentes, corroboram a necessidade de maior vigilância.
Comunicado de hoje: O Comitê avalia que há uma assimetria altista em seu balanço de riscos para os cenários prospectivos para a inflação. Entre os riscos de alta para o cenário inflacionário e as expectativas de inflação, destacam-se (i) uma desancoragem das expectativas de inflação por período mais prolongado; (ii) uma maior resiliência na inflação de serviços do que a projetada em função de um hiato do produto mais apertado; e (iii) uma conjunção de políticas econômicas externa e interna que tenham impacto inflacionário, por exemplo, por meio de uma taxa de câmbio persistentemente mais depreciada. Entre os riscos de baixa, ressaltam-se (i) uma desaceleração da atividade econômica global mais acentuada do que a projetada; e (ii) os impactos do aperto monetário sobre a desinflação global se mostrarem mais fortes do que o esperado.
Comentário: Se o segundo parágrafo foi marcado pelas razões, o quarto parágrafo mostra o resultado: balanço de riscos (possibilidades de movimentos de inflação) pior, majoritariamente de alta, que prescreve alta na taxa de juros.
5º parágrafo:
Comunicado 31 de julho: O Comitê monitora com atenção como os desenvolvimentos recentes da política fiscal impactam a política monetária e os ativos financeiros. A percepção dos agentes econômicos sobre o cenário fiscal, junto com outros fatores, tem impactado os preços de ativos e as expectativas dos agentes. O Comitê reafirma que uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária.
Comunicado de hoje: O Comitê monitora com atenção como os desenvolvimentos recentes da política fiscal impactam a política monetária e os ativos financeiros. A percepção dos agentes econômicos sobre o cenário fiscal, junto com outros fatores, tem impactado os preços de ativos e as expectativas dos agentes. O Comitê reafirma que uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária.
Comentário: O parágrafo, mantido sem modificações, talvez tenha ganhado relevância de julho para cá, à medida em que as perspectivas fiscais têm piorado. Por exemplo, orçamento de 2025, entregue pelo Governo ao Congresso ao final de agosto recebeu críticas tanto pela exclusão de despesas para o cálculo do resultado primário por força de lei – mas que não muda o fato destas despesas existirem – quanto por estimativas otimistas no lado da receita. Além disso, utilização de medidas não recorrentes, como a incorporação de valores esquecidos em bancos, questionada pelo Banco Central em nota técnica enviada a deputados na semana passada, aumenta a percepção de risco fiscal e põe em xeque a efetividade do atual arcabouço fiscal para controlar a dívida pública.
6º parágrafo:
Comunicado 31 de julho: Considerando a evolução do processo de desinflação, os cenários avaliados, o balanço de riscos e o amplo conjunto de informações disponíveis, o Copom decidiu manter a taxa básica de juros em 10,50% a.a. e entende que essa decisão é compatível com a estratégia de convergência da inflação para o redor da meta ao longo do horizonte relevante. Sem prejuízo de seu objetivo fundamental de assegurar a estabilidade de preços, essa decisão também implica suavização das flutuações do nível de atividade econômica e fomento do pleno emprego.
Comunicado de hoje: O cenário, marcado por resiliência na atividade, pressões no mercado de trabalho, hiato do produto positivo, elevação das projeções de inflação e expectativas desancoradas, demanda uma política monetária mais contracionista. Considerando a evolução do processo de desinflação, os cenários avaliados, o balanço de riscos e o amplo conjunto de informações disponíveis, o Copom decidiu, por unanimidade, elevar a taxa básica de juros em 0,25 ponto percentual, para 10,75% a.a., e entende que essa decisão é compatível com a estratégia de convergência da inflação para o redor da meta ao longo do horizonte relevante. Sem prejuízo de seu objetivo fundamental de assegurar a estabilidade de preços, essa decisão também implica suavização das flutuações do nível de atividade econômica e fomento do pleno emprego.
Comentário: O comitê lista os motivos que levaram à decisão de subir juros. A diferença entre os parágrafos indica a piora percebida de julho para cá. Ponto importante: a decisão por subir juros em 0,25% foi unânime. Fosse algo diferente, provavelmente teríamos maior volatilidade nos próximos dias.
7º e 8º parágrafos:
Comunicado em 31 de julho: A conjuntura atual, caracterizada por um estágio do processo desinflacionário que tende a ser mais lento, ampliação da desancoragem das expectativas de inflação e um cenário global desafiador, demanda serenidade e moderação na condução da política monetária.
O Comitê, unanimemente, optou por manter a taxa de juros inalterada, destacando que o cenário global incerto e o cenário doméstico marcado por resiliência na atividade, elevação das projeções de inflação e expectativas desancoradas demandam acompanhamento diligente e ainda maior cautela. Ressalta, ademais, que a política monetária deve se manter contracionista por tempo suficiente em patamar que consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno da meta. O Comitê se manterá vigilante e relembra que eventuais ajustes futuros na taxa de juros serão ditados pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta.
Comunicado de hoje: O ritmo de ajustes futuros na taxa de juros e a magnitude total do ciclo ora iniciado serão ditados pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta e dependerão da evolução da dinâmica da inflação, em especial dos componentes mais sensíveis à atividade econômica e à política monetária, das projeções de inflação, das expectativas de inflação, do hiato do produto e do balanço de riscos.
Comentário: O comitê modificou a estrutura do comunicado, por isso os últimos dois parágrafos do comunicado anterior foram incluídos neste espaço. Protocolar, o comitê reafirma a dependência dos dados que serão divulgados para determinar o tamanho do ciclo de juros, mas fica claro que provavelmente subirão mais. Conservador, o comitê opta por não se comprometer com as próximas decisões, algo razoavelmente esperado. Sabe-se que provavelmente a Selic subirá nas próximas reuniões, mas a magnitude da alta fica em aberto.
Seguindo a lógica do mandato dual (equilíbrio entre inflação e atividade econômica), fica evidente que a prioridade do Fed é a atividade econômica, enquanto a nossa volta a ser a inflação. Por lá o Fed pode ser arrojado, aqui o conservadorismo se faz necessário.
Assim, o índice Bovespa encerrou o pregão em queda de 0,83%, a 133.840 pontos. O dólar comercial fechou em queda de 0,47%, a R$ 5,4626.
Boa noite e até amanhã.
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Felipe Galvão, CGA, CFP ®️;