O dia foi marcado pelas decisões de juros dos bancos centrais dos EUA e do Brasil.
O Fed manteve o nível dos juros americanos (atualmente entre 5,25% e 5,50% ao ano), mas a comunicação do Chairman da instituição, Jerome Powell, impulsionou os mercados na parte da tarde. Powell sinalizou que o início do ciclo de cortes pode acontecer em setembro, caso os dados de inflação continuem a gerar a confiança necessária aos membros do comitê.
Adicionalmente, apesar de não querer se comprometer com decisões que somente serão tomadas no futuro, o principal banqueiro central do mundo afastou a possibilidade de um corte de 0,5% – acenando para uma redução mais gradual, em 0,25%, que é de fato a hipótese com maior probabilidade atribuída pelo mercado atualmente.
Powell ratificou que os membros do FOMC, o comitê que executa a política monetária dos EUA, estão igualmente atentos aos dois mandatos do Banco Central: manter a inflação controlada e a atividade econômica robusta.
A iminência do ciclo de afrouxamento monetário nos EUA gerou impacto positivo nos preços dos ativos por todo o mundo, movimento observado ao final do nosso pregão, já que a decisão de juros por lá foi às 15h de Brasília.
Por aqui, há pouco o Copom divulgou a manutenção da nossa taxa de juros. A decisão foi unânime. Vamos à inevitável comparação entre os comunicados, buscando compreender melhor a percepção do comitê sobre o momento da economia brasileira e, consequentemente, o estágio da nossa política monetária:
1º parágrafo:
Comunicado em 19 de junho: O ambiente externo mantém-se adverso, em função da incerteza elevada e persistente sobre a flexibilização da política monetária nos Estados Unidos e quanto à velocidade com que se observará a queda da inflação de forma sustentada em diversos países. Os bancos centrais das principais economias permanecem determinados em promover a convergência das taxas de inflação para suas metas em um ambiente marcado por pressões nos mercados de trabalho. O Comitê avalia que o cenário segue exigindo cautela por parte de países emergentes.
Comunicado hoje: O ambiente externo mantém-se adverso, em função da incerteza sobre os impactos e a extensão da flexibilização da política monetária nos Estados Unidos e sobre as dinâmicas de atividade e de inflação em diversos países. Os bancos centrais das principais economias permanecem determinados em promover a convergência das taxas de inflação para suas metas em um ambiente marcado por pressões nos mercados de trabalho. O Comitê avalia que o cenário externo, também marcado por menor sincronia nos ciclos de política monetária entre os países, segue exigindo cautela por parte de países emergentes.
Comentário: As novidades surgem já no primeiro parágrafo. Em xeque no comunicado anterior, a mudança no texto sugere maior grau de confiança na flexibilização monetária , restando dúvidas sobre a extensão do ciclo. Um ponto adicional interessante, que reforça a necessidade de cautela, é a diferença salientada pelo comitê no estágio da política monetária em cada país.
2º parágrafo:
Comunicado em 19 de junho: Em relação ao cenário doméstico, o conjunto dos indicadores de atividade econômica e do mercado de trabalho segue apresentando dinamismo maior do que o esperado. A inflação cheia ao consumidor tem apresentado trajetória de desinflação, enquanto medidas de inflação subjacente se situaram acima da meta para a inflação nas divulgações mais recentes.
Comunicado hoje: Em relação ao cenário doméstico, o conjunto dos indicadores de atividade econômica e do mercado de trabalho segue apresentando dinamismo maior do que o esperado. A desinflação medida pelo IPCA cheio tem arrefecido, enquanto medidas de inflação subjacente se situaram acima da meta para a inflação nas divulgações mais recentes.
Comentário: O BC ratifica que as medidas de inflação subjacente – medidas que buscam captar a tendência da inflação, buscando suavizar a variação dos preços – permanecem acima da meta. A novidade negativa fica pelo comentário em relação ao índice cheio do IPCA (o índice completo). O arrefecimento na trajetória de desinflação (de queda na inflação) é um alerta. Expressa o receio do BC sobre a possibilidade de percebermos pressão altista na inflação nos próximos meses.
3º parágrafo:
Comunicado em 19 de junho: As expectativas de inflação para 2024 e 2025 apuradas pela pesquisa Focus encontram-se em torno de 4,0% e 3,8%, respectivamente.
Comunicado hoje: As expectativas de inflação para 2024 e 2025 apuradas pela pesquisa Focus encontram-se em torno de 4,1% e 4,0%, respectivamente.
Comentário: O boletim Focus tem expressado a piora nas expectativas de inflação há alguns meses. A piora nas projeções para 2024 e 2025 poderiam não representar um problema significativo se fossem pontuais. Entretanto, a recorrência na piora das projeções tem um efeito extremamente nocivo, que é a desancoragem das expectativas, o que prescreveria uma execução de política monetária dura, nada permissiva em relação à inflação, ainda que custasse menor atividade econômica no curto prazo. Este, no final das contas, é eterno dilema dos bancos centrais: o ajuste fino entre a manutenção do poder de compra da moeda e a menor taxa de desemprego possível.
4º parágrafo:
Comunicado em 19 de junho: As projeções de inflação do Copom em seu cenário de referência* situam-se em 4,0% em 2024 e 3,4% em 2025. As projeções para a inflação de preços administrados são de 4,4% em 2024 e 4,0% em 2025. Em cenário alternativo, no qual a taxa Selic é mantida constante ao longo do horizonte relevante, as projeções de inflação situam-se em 4,0% para 2024 e 3,1% para 2025.
Comunicado hoje: As projeções de inflação do Copom para o primeiro trimestre de 2026* situam-se em 3,4% no cenário de referência e 3,2% em cenário alternativo, no qual a taxa Selic é mantida constante ao longo do horizonte relevante.**
Comentário: A mudança na estrutura dos parágrafos ocorre pelo Decreto 12.079/2024, datado de 26 de junho deste ano, que versa sobre a nova sistemática de metas de inflação, que passará a viger a partir de 1º de janeiro do ano que vem. A avaliação seis trimestres à frente (primeiro trimestre de 2026) acontece pelo delay natural entre a execução de uma política monetária e a percepção de seus efeitos na economia real. Com a nova sistemática, a meta de inflação passa a ser permanente em 3% ao ano, com tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo. Quando a inflação acumulada de 12 meses ficar acima do limite superior da meta será considerado que a meta foi descumprida. Trocando em miúdos, o IPCA no acumulado de 12 meses não poderá permanecer abaixo de 1,5% ou acima de 4,5% por seis meses consecutivos. Sobre o conteúdo do comunicado, vale frisar que mesmo mantida a taxa Selic em 10,5% ao ano até 2026, segundo as projeções do BC, chegaríamos a 3,2% de inflação ao ano, 0,2% acima do centro da meta.
5º parágrafo:
Comunicado em 19 de junho: O Comitê ressalta que, em seus cenários para a inflação, permanecem fatores de risco em ambas as direções. Entre os riscos de alta para o cenário inflacionário e as expectativas de inflação, destacam-se (i) uma maior persistência das pressões inflacionárias globais; e (ii) uma maior resiliência na inflação de serviços do que a projetada em função de um hiato do produto mais apertado. Entre os riscos de baixa, ressaltam-se (i) uma desaceleração da atividade econômica global mais acentuada do que a projetada; e (ii) os impactos do aperto monetário sincronizado sobre a desinflação global se mostrarem mais fortes do que o esperado. O Comitê avalia que as conjunturas doméstica e internacional seguem mais incertas, exigindo maior cautela na condução da política monetária.
Comunicado hoje: O Comitê ressalta que, em seus cenários para a inflação, permanecem fatores de risco em ambas as direções. Entre os riscos de alta para o cenário inflacionário e as expectativas de inflação, destacam-se (i) uma desancoragem das expectativas de inflação por período mais prolongado; (ii) uma maior resiliência na inflação de serviços do que a projetada em função de um hiato do produto mais apertado; e (iii) uma conjunção de políticas econômicas externa e interna que tenham impacto inflacionário, por exemplo, por meio de uma taxa de câmbio persistentemente mais depreciada. Entre os riscos de baixa, ressaltam-se (i) uma desaceleração da atividade econômica global mais acentuada do que a projetada; e (ii) os impactos do aperto monetário sobre a desinflação global se mostrarem mais fortes do que o esperado. O Comitê avalia que as conjunturas doméstica e internacional exigem ainda maior cautela na condução da política monetária. Em particular, os impactos inflacionários decorrentes dos movimentos das variáveis de mercado e das expectativas de inflação, caso esses se mostrem persistentes, corroboram a necessidade de maior vigilância.
Comentário: Aqui há um novo aviso sobre a preocupação do comitê sobre a piora nas expectativas de inflação de forma prolongada, que poderia demandar uma resposta prática em termos de política monetária – notadamente subir juros. A autoridade monetária menciona um inequívoco detrator para a inflação neste ano: o câmbio depreciado. A alta de quase 17% do dólar em relação ao real em 2024 tem impacto direto nos índices de inflação. A continuidade da depreciação cambial tem impacto direto nas expectativas de inflação, a inflação à frente. Uma solução há de ser endereçada. Sinalizar a disposição em subir juros, quando se tem credibilidade, pode evitar a necessidade de uma efetiva (e indesejada) alta de juros. A comunicação, neste caso hawkish, pode surtir efeito e tem função. É uma tentativa.
6º parágrafo:
Comunicado em 19 de junho: O Comitê monitora com atenção como os desenvolvimentos recentes da política fiscal impactam a política monetária e os ativos financeiros. O Comitê reafirma que uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária.
Comunicado hoje: O Comitê monitora com atenção como os desenvolvimentos recentes da política fiscal impactam a política monetária e os ativos financeiros. A percepção dos agentes econômicos sobre o cenário fiscal, junto com outros fatores, tem impactado os preços de ativos e as expectativas dos agentes. O Comitê reafirma que uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária.
Comentário: O parágrafo trata sobre a preocupação fiscal, que não surgiu neste Governo, mas que tem sido ponto de atrito público entre (ao menos parte de) a diretoria do BC e o Governo Federal. Houve avanços recentes, mas insuficientes para reduzir de forma significativa os prêmios de risco. Percebe-se este fato ao comparar o nível de juros dos contratos futuros com vencimentos longos (por exemplo 2033) que está acima do que se via há um ano, por exemplo.
7º parágrafo:
Comunicado em 19 de junho: Considerando a evolução do processo de desinflação, os cenários avaliados, o balanço de riscos e o amplo conjunto de informações disponíveis, o Copom decidiu manter a taxa básica de juros em 10,50% a.a. e entende que essa decisão é compatível com a estratégia de convergência da inflação para o redor da meta ao longo do horizonte relevante, que inclui o ano de 2025. Sem prejuízo de seu objetivo fundamental de assegurar a estabilidade de preços, essa decisão também implica suavização das flutuações do nível de atividade econômica e fomento do pleno emprego.
Comunicado hoje: Considerando a evolução do processo de desinflação, os cenários avaliados, o balanço de riscos e o amplo conjunto de informações disponíveis, o Copom decidiu manter a taxa básica de juros em 10,50% a.a. e entende que essa decisão é compatível com a estratégia de convergência da inflação para o redor da meta ao longo do horizonte relevante. Sem prejuízo de seu objetivo fundamental de assegurar a estabilidade de preços, essa decisão também implica suavização das flutuações do nível de atividade econômica e fomento do pleno emprego.
Comentário: Parágrafo extremamente protocolar, praticamente idêntico ao do comunicado anterior, em que confirma a manutenção da Selic meta em 10,5% ao ano.
8º parágrafo:
Comunicado em 19 de junho: A conjuntura atual, caracterizada por um estágio do processo desinflacionário que tende a ser mais lento, ampliação da desancoragem das expectativas de inflação e um cenário global desafiador, demanda serenidade e moderação na condução da política monetária.
Comunicado hoje: A conjuntura atual, caracterizada por um estágio do processo desinflacionário que tende a ser mais lento, ampliação da desancoragem das expectativas de inflação e um cenário global desafiador, demanda serenidade e moderação na condução da política monetária.
Comentário: Sem comentários relevantes, já que não há mudanças.
9º parágrafo:
Comunicado em 19 de junho: O Comitê, unanimemente, optou por interromper o ciclo de queda de juros, destacando que o cenário global incerto e o cenário doméstico marcado por resiliência na atividade, elevação das projeções de inflação e expectativas desancoradas demandam maior cautela. Ressalta, ademais, que a política monetária deve se manter contracionista por tempo suficiente em patamar que consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas. O Comitê se manterá vigilante e relembra, como usual, que eventuais ajustes futuros na taxa de juros serão ditados pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta.
Comunicado hoje: O Comitê, unanimemente, optou por manter a taxa de juros inalterada, destacando que o cenário global incerto e o cenário doméstico marcado por resiliência na atividade, elevação das projeções de inflação e expectativas desancoradas demandam acompanhamento diligente e ainda maior cautela. Ressalta, ademais, que a política monetária deve se manter contracionista por tempo suficiente em patamar que consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno da meta. O Comitê se manterá vigilante e relembra que eventuais ajustes futuros na taxa de juros serão ditados pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta.
Comentário: Também protocolar, mas dá o seu recado. O Copom ratifica o tom hawkish para a política monetária do Brasil neste momento. A divergência entre o tom do Copom e do FOMC é significativa, ilustrando bem os diferentes estágios de política monetária que foi mencionado no início do comunicado.
Sem melhoras no ambiente doméstico é possível que passemos a ser “Fed-dependent” para não ter que levar a taxa de juros para um território ainda mais contracionista à frente. É a minha interpretação sobre o comunicado.
Assim, o índice Bovespa encerrou o pregão em alta de 1,08%, a 127.496 pontos. O dólar comercial avançou 0,66%, a R$ 5,6541.
Boa noite e até amanhã.
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Felipe Galvão, CGA, CFP ®️;