A sessão foi positiva para o índice Bovespa, em sessão com liquidez reduzida em função do Juneteenth, feriado nos EUA em que se comemora o fim da escravidão no país. Por aqui, o compasso de espera deu lugar, ao final do pregão, a certo ânimo, que se confirmou agora há pouco com a manutenção da Selic em 10,50% ao ano. A eventual redução nos prêmios de risco, que pode gerar algum impacto positivo nos preços dos ativos na próxima sessão, não se dá pela pausa no ciclo de corte, mas pela concordância entre todos os membros do Comitê de Política Monetária do Banco Central do Brasil. A condição em si, de “comemorar” uma pausa no ciclo de cortes de juros mais cedo do que o previsto anteriormente é mais uma idiossincrasia brasileira.
Naturalmente, esta edição do reporte diária enfatizará a comparação entre os comunicados da última reunião – a origem da confusão recente, quando houve discordância entre os diretores sobre a magnitude do corte a ser promovido à época – e o comunicado de hoje, buscando entender as impressões da autoridade monetária sobre a economia brasileira e, mais especificamente, sobre o estágio da nossa política monetária.
Em resumo, o comunicado foi razoavelmente protocolar. Tudo mais constante, a unanimidade entre os membros poderá gerar algum impacto positivo nos preços dos ativos no curtíssimo prazo. O atual nível de juros deverá ser mantido até que a trajetória e as expectativas de inflação convirjam à meta.
Abaixo está a comparação entre os comunicados e alguns comentários.
1º parágrafo:
Comunicado divulgado em 8 de maio:
“O ambiente externo mostra-se mais adverso, em função da incerteza elevada e persistente referente ao início da flexibilização de política monetária nos Estados Unidos e à velocidade com que se observará a queda da inflação de forma sustentada em diversos países. Os bancos centrais das principais economias permanecem determinados em promover a convergência das taxas de inflação para suas metas em um ambiente marcado por pressões nos mercados de trabalho. O Comitê avalia que o cenário segue exigindo cautela por parte de países emergentes.”
Comunicado divulgado hoje:
“O ambiente externo mantém-se adverso, em função da incerteza elevada e persistente sobre a flexibilização da política monetária nos Estados Unidos e quanto à velocidade com que se observará a queda da inflação de forma sustentada em diversos países. Os bancos centrais das principais economias permanecem determinados em promover a convergência das taxas de inflação para suas metas em um ambiente marcado por pressões nos mercados de trabalho. O Comitê avalia que o cenário segue exigindo cautela por parte de países emergentes.”
Comentário: Protocolar, o primeiro parágrafo apenas modifica o “cenário mais adverso”, observado em maio, para “cenário mantém-se adverso”. De fato, não se viu avanços significativos na conjuntura da política monetária americana que justificassem uma mudança na comunicação do nosso BC. Por outro lado, também não houve piora evidente por lá. As leituras mais recentes de inflação ao consumidor e produtor nos EUA , inclusive, foram mais positivas do que o consenso de mercado esperava.
2º parágrafo:
Comunicado divulgado em 8 de maio:
“Em relação ao cenário doméstico, o conjunto dos indicadores de atividade econômica e do mercado de trabalho tem apresentado maior dinamismo do que o esperado. A inflação cheia ao consumidor manteve trajetória de desinflação, enquanto medidas de inflação subjacente se situaram acima da meta para a inflação nas divulgações mais recentes.”
Comunicado divulgado hoje:
“Em relação ao cenário doméstico, o conjunto dos indicadores de atividade econômica e do mercado de trabalho segue apresentando dinamismo maior do que o esperado. A inflação cheia ao consumidor tem apresentado trajetória de desinflação, enquanto medidas de inflação subjacente se situaram acima da meta para a inflação nas divulgações mais recentes.”
Comentário: Apesar da redução nos índices cheios (os índices em si), o comitê menciona que as medidas (de inflação subjacente) que buscam identificar a tendência dos preços continuam subindo, fator que prejudica a redução de juros, vão de encontro à ideia de alívio na política monetária.
3º parágrafo:
Comunicado divulgado em 8 de maio:
“As expectativas de inflação para 2024 e 2025 apuradas pela pesquisa Focus encontram-se em torno de 3,7% e 3,6%, respectivamente.”
Comunicado divulgado hoje:
“As expectativas de inflação para 2024 e 2025 apuradas pela pesquisa Focus encontram-se em torno de 4,0% e 3,8%, respectivamente.”
Comentário: a piora nas expectativas de inflação refletida no boletim Focus é a tal “desancoragem das expectativas”, tão comentada e discutida nos últimos meses.
4º parágrafo:
Comunicado divulgado em 8 de maio:
“As projeções de inflação do Copom em seu cenário de referência* situam-se em 3,8% em 2024 e 3,3% em 2025. As projeções para a inflação de preços administrados são de 4,8% em 2024 e 4,0% em 2025.”
Comunicado divulgado hoje:
“As projeções de inflação do Copom em seu cenário de referência* situam-se em 4,0% em 2024 e 3,4% em 2025. As projeções para a inflação de preços administrados são de 4,4% em 2024 e 4,0% em 2025. Em cenário alternativo, no qual a taxa Selic é mantida constante ao longo do horizonte relevante, as projeções de inflação situam-se em 4,0% para 2024 e 3,1% para 2025.”
Comentário: Aqui temos a primeira mudança de destaque no comunicado. No cenário de referência do BC a trajetória da taxa de juros é extraída do boletim Focus. A versão mais recente do boletim mostra Selic a 10,50% ao final de 2024; 9,50% ao final de 2025; e 9% em 2026. Neste comunicado o BC mostra um cenário alternativo, mantendo Selic a 10,50% ao ano por um “horizonte relevante”, medida que reduziria a inflação projetada para 2025 em 0,3%. No comunicado o comitê menciona que o horizonte relevante inclui o ano de 2025.
5º parágrafo:
Comunicado divulgado em 8 de maio:
“O Comitê ressalta que, em seus cenários para a inflação, permanecem fatores de risco em ambas as direções. Entre os riscos de alta para o cenário inflacionário e as expectativas de inflação, destacam-se (i) uma maior persistência das pressões inflacionárias globais; e (ii) uma maior resiliência na inflação de serviços do que a projetada em função de um hiato do produto mais apertado. Entre os riscos de baixa, ressaltam-se (i) uma desaceleração da atividade econômica global mais acentuada do que a projetada; e (ii) os impactos do aperto monetário sincronizado sobre a desinflação global se mostrarem mais fortes do que o esperado. O Comitê avalia que as conjunturas doméstica e internacional devem se manter mais incertas, exigindo maior cautela na condução da política monetária.”
Comunicado divulgado hoje:
“O Comitê ressalta que, em seus cenários para a inflação, permanecem fatores de risco em ambas as direções. Entre os riscos de alta para o cenário inflacionário e as expectativas de inflação, destacam-se (i) uma maior persistência das pressões inflacionárias globais; e (ii) uma maior resiliência na inflação de serviços do que a projetada em função de um hiato do produto mais apertado. Entre os riscos de baixa, ressaltam-se (i) uma desaceleração da atividade econômica global mais acentuada do que a projetada; e (ii) os impactos do aperto monetário sincronizado sobre a desinflação global se mostrarem mais fortes do que o esperado. O Comitê avalia que as conjunturas doméstica e internacional seguem mais incertas, exigindo maior cautela na condução da política monetária.”
Comentário: Idênticos. Nada a comentar.
6º parágrafo:
Comunicado divulgado em 8 de maio:
“O Comitê acompanhou com atenção os desenvolvimentos recentes da política fiscal e seus impactos sobre a política monetária. O Comitê reafirma que uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária. “
Comunicado divulgado hoje:
“O Comitê monitora com atenção como os desenvolvimentos recentes da política fiscal impactam a política monetária e os ativos financeiros. O Comitê reafirma que uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária. “
Comentário: Ponto extremamente sensível em função dos eventos políticos recentes. O comitê menciona a crise observada nos juros recentemente, que transbordou para o câmbio e gerou desvalorização do real frente ao dólar – fator que tende a gerar contribuição altista para os índices de inflação, impactando diretamente a condução da política monetária (sugerindo juros mais altos por mais tempo).
7º parágrafo:
Comunicado divulgado em 8 de maio:
“Considerando a evolução do processo de desinflação, os cenários avaliados, o balanço de riscos e o amplo conjunto de informações disponíveis, o Copom decidiu reduzir a taxa básica de juros em 0,25 ponto percentual, para 10,50% a.a., e entende que essa decisão é compatível com a estratégia de convergência da inflação para o redor da meta ao longo do horizonte relevante, que inclui o ano de 2025. Sem prejuízo de seu objetivo fundamental de assegurar a estabilidade de preços, essa decisão também implica suavização das flutuações do nível de atividade econômica e fomento do pleno emprego.”
Comunicado divulgado hoje:
“Considerando a evolução do processo de desinflação, os cenários avaliados, o balanço de riscos e o amplo conjunto de informações disponíveis, o Copom decidiu manter a taxa básica de juros em 10,50% a.a. e entende que essa decisão é compatível com a estratégia de convergência da inflação para o redor da meta ao longo do horizonte relevante, que inclui o ano de 2025. Sem prejuízo de seu objetivo fundamental de assegurar a estabilidade de preços, essa decisão também implica suavização das flutuações do nível de atividade econômica e fomento do pleno emprego.”
Comentário: Parágrafo protocolar, somente ratifica a manutenção da Selic meta em 10,50% ao ano, algo informado no título do comunicado.
8º parágrafo:
Comunicado divulgado em 8 de maio:
“A conjuntura atual, caracterizada por um estágio do processo desinflacionário que tende a ser mais lento, expectativas de inflação desancoradas e um cenário global desafiador, demanda serenidade e moderação na condução da política monetária.”
Comunicado divulgado hoje:
“A conjuntura atual, caracterizada por um estágio do processo desinflacionário que tende a ser mais lento, ampliação da desancoragem das expectativas de inflação e um cenário global desafiador, demanda serenidade e moderação na condução da política monetária.”
Comentário: o comitê menciona a piora nas projeções de inflação, que prescreveriam a política monetária mais restritiva para que se possa cumprir a meta.
9º parágrafo:
Comunicado divulgado em 8 de maio:
“O Comitê, unanimemente, avalia que o cenário global incerto e o cenário doméstico marcado por resiliência na atividade e expectativas desancoradas demandam maior cautela. Ressalta, ademais, que a política monetária deve se manter contracionista até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas. O Comitê também reforça, com especial ênfase, que a extensão e a adequação de ajustes futuros na taxa de juros serão ditadas pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta.”
Comunicado divulgado hoje:
“O Comitê, unanimemente, optou por interromper o ciclo de queda de juros, destacando que o cenário global incerto e o cenário doméstico marcado por resiliência na atividade, elevação das projeções de inflação e expectativas desancoradas demandam maior cautela. Ressalta, ademais, que a política monetária deve se manter contracionista por tempo suficiente em patamar que consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas. O Comitê se manterá vigilante e relembra, como usual, que eventuais ajustes futuros na taxa de juros serão ditados pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta.”
Comentário: Absolutamente todo o mercado encontrou o que procurava aqui. O parágrafo do “ufa”, que sinaliza alguma convergência entre os membros do comitê. Dissidências neste momento certamente levariam o mercado a demandar mais prêmio, o que significa preços menores em títulos de renda fixa, ações e piora no câmbio.
Assim, o índice Bovespa encerrou o pregão em alta de 0,53%, a 120.261 pontos. O dólar comercial avançou 0,15%, a R$ 5,4417.
Boa noite e até amanhã.
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Felipe Galvão, CGA, CFP ®️;