A sessão foi totalmente condicionada por um evento que ocorreria somente após o encerramento do pregão, reduzindo a movimentação de agentes de mercado. O principal evento do dia era a tão aguardada decisão de juros, acompanhada do comunicado feito pelo Copom após os tradicionais dois dias de reunião. A ata, documento mais detalhado, será publicada somente na próxima terça-feira (14).
Inevitável não comparar os comunicados, buscando entender o que mudou na percepção do comitê entre 20 de março e hoje. Vamos às comparações:
1º Parágrafo:
Comunicado em 20 de março: “O ambiente externo segue volátil, marcado pelos debates sobre o início da flexibilização de política monetária nas principais economias e a velocidade com que se observará a queda da inflação de forma sustentada em diversos países.”
Comunicado de hoje: “O ambiente externo mostra-se mais adverso, em função da incerteza elevada e persistente referente ao início da flexibilização de política monetária nos Estados Unidos e à velocidade com que se observará a queda da inflação de forma sustentada em diversos países.”
Comentário: O comitê inicia o comunicado consolidando a piora no ambiente externo, anteriormente “volátil”, indefinido, fazendo menção direta à economia americana. As diversas leituras de inflação nos EUA acima do esperado, que consolidaram a mudança nas expectativas da maior parte do mercado para o início do ciclo de corte de juros apenas em setembro, certamente têm alguma influência na mudança promovida neste parágrafo. Vale lembrar que na sexta-feira a leitura do payroll (relatório sobre a criação de empregos no país) veio abaixo do esperado, dado que vai ao encontro do efeito desejado pela política monetária empreendida pelo Fed, o BC americano.
2º Parágrafo:
Comunicado em 20 de março: “Em relação ao cenário doméstico, o conjunto dos indicadores de atividade econômica segue consistente com o cenário de desaceleração da economia antecipado pelo Copom.”
Comunicado de hoje: “Em relação ao cenário doméstico, o conjunto dos indicadores de atividade econômica e do mercado de trabalho tem apresentado maior dinamismo do que o esperado.”
Comentário: O cenário de desaceleração da economia antecipado na reunião de março não se consolidou até o momento. Por exemplo, vale lembrar que a PNAD Contínua mostrou taxa de desemprego de 7,9% no trimestre encerrado em março de 2024, enquanto o Caged mostrou 719 mil vagas criadas no primeiro trimestre, surpreendendo as estimativas.
3º Parágrafo:
Comunicado em 20 de março: As expectativas de inflação para 2024 e 2025 apuradas pela pesquisa Focus encontram-se em torno de 3,8% e 3,5%, respectivamente.
Comunicado de hoje: As expectativas de inflação para 2024 e 2025 apuradas pela pesquisa Focus encontram-se em torno de 3,7% e 3,6%, respectivamente.
Comentário: Houve melhora na percepção dos agentes de mercado em relação à inflação deste ano e também do próximo, fator dissonante ao tom mais hawkish do comunicado até o momento
4º Parágrafo:
Comunicado em 20 de março: As projeções de inflação do Copom em seu cenário de referência* situam-se em 3,5% em 2024 e 3,2% em 2025. As projeções para a inflação de preços administrados são de 4,4% em 2024 e 3,9% em 2025.
Comunicado de hoje: “As projeções de inflação do Copom em seu cenário de referência* situam-se em 3,8% em 2024 e 3,3% em 2025. As projeções para a inflação de preços administrados são de 4,8% em 2024 e 4,0% em 2025.”
Comentário: Agora, sim, indo ao encontro do tom hawkish do comunicado, o comitê demonstra piora em suas expectativas para a inflação cheia deste e do próximo, além da piora em relação aos preços administrados. Entende-se por “preços administrados” o custo de bens ou serviços que não oscilam livremente por oferta e demanda, mas por força de contrato, regulado por órgãos públicos. Exemplos são: gasolina, energia elétrica e passagem de ônibus.
5º Parágrafo:
Comentário: Iguais. Sem mudanças identificadas.
6º Parágrafo:
Comunicado em 20 de março: “Tendo em conta a importância da execução das metas fiscais já estabelecidas para a ancoragem das expectativas de inflação e, consequentemente, para a condução da política monetária, o Comitê reafirma a importância da firme persecução dessas metas.”
Comunicado de hoje: “O Comitê acompanhou com atenção os desenvolvimentos recentes da política fiscal e seus impactos sobre a política monetária. O Comitê reafirma que uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária.”
Comentário: A mudança completa neste parágrafo é natural, dado que o apelo não foi atendido. Em 15 de abril o Governo Federal encaminhou o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2025 e manteve a meta para este ano, mas reduziu a meta para 2025 de superávit de 0,5% do PIB para 0%; e para 2026 de superávit de 1% do PIB para 0,25% do PIB.
7º Parágrafo:
Comunicado em 20 de março: “Copom decidiu reduzir a taxa básica de juros em 0,50 ponto percentual, para 10,75% a.a., e entende que essa decisão é compatível com a estratégia de convergência da inflação para o redor da meta ao longo do horizonte relevante, que inclui o ano de 2024 e, em grau maior, o de 2025.”
Comunicado de hoje: “Copom decidiu reduzir a taxa básica de juros em 0,25 ponto percentual, para 10,50% a.a., e entende que essa decisão é compatível com a estratégia de convergência da inflação para o redor da meta ao longo do horizonte relevante, que inclui o ano de 2025.”
Comentário: além da mudança no ritmo do corte, um dos destaques desta decisão, o comitê demonstra que as decisões de política monetária objetivam surtir efeito na taxa de inflação de 2025, dado o gap temporal que existe entre a aplicação de determinada política monetária e a percepção de seus efeitos na economia real.
8º Parágrafo:
Comunicado em 20 de março: “A conjuntura atual, caracterizada por um estágio do processo desinflacionário que tende a ser mais lento, expectativas de inflação com reancoragem apenas parcial e um cenário global desafiador, demanda serenidade e moderação na condução da política monetária. O Comitê reforça a necessidade de perseverar com uma política monetária contracionista até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas.”
Comunicado de hoje: “A conjuntura atual, caracterizada por um estágio do processo desinflacionário que tende a ser mais lento, expectativas de inflação desancoradas e um cenário global desafiador, demanda serenidade e moderação na condução da política monetária.”
Comentário: Destaque para a piora na percepção do BC sobre as expectativas de inflação: antes “parcialmente ancoradas”; agora “desancoradas”.
9º Parágrafo:
Comunicado em 20 de março: O Comitê avalia que o cenário-base não se alterou substancialmente. Em função da elevação da incerteza e da consequente necessidade de maior flexibilidade na condução da política monetária, os membros do Comitê, unanimemente, optaram por comunicar que anteveem, em se confirmando o cenário esperado, redução de mesma magnitude na próxima reunião. O Comitê avalia que essa é a condução apropriada para manter a política monetária contracionista necessária para o processo desinflacionário.
Comunicado de hoje: “O Comitê, unanimemente, avalia que o cenário global incerto e o cenário doméstico marcado por resiliência na atividade e expectativas desancoradas demandam maior cautela. Ressalta, ademais, que a política monetária deve se manter contracionista até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas. O Comitê também reforça, com especial ênfase, que a extensão e a adequação de ajustes futuros na taxa de juros serão ditadas pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta.”
Comentário: O mais hawkish (duro, em termos mais simples. Propenso a juros altos por mais tempo) dos parágrafos. Hoje, para o comitê, dada a piora na conjuntura que foi relatada no parágrafo acima, a convergência das expectativas de inflação à meta é condição sine-qua-non para definir quando e quanto cortar a taxa Selic nas próximas reuniões. Mais: o guidance, a direção sobre as decisões que provavelmente serão tomadas nas próximas reuniões, foi totalmente retirado, de modo que as decisões, provavelmente, serão tomadas a cada reunião, reduzindo também a previsibilidade ao mercado.
10º Parágrafo:
Comunicado em 20 de março: “O Comitê enfatiza que a magnitude total do ciclo de flexibilização ao longo do tempo dependerá da evolução da dinâmica inflacionária, em especial dos componentes mais sensíveis à política monetária e à atividade econômica, das expectativas de inflação, em particular daquelas de maior prazo, de suas projeções de inflação, do hiato do produto e do balanço de riscos.”
Comunicado de hoje: Não há. Parágrafo retirado.
Comentário: Sem indicação clara de novos cortes à frente (por mais que eles possam ocorrer), o BC também opta por não fazer nenhum comentário sobre a magnitude do ciclo de corte. Ratifica a baixa visibilidade no cenário atual.
11º Parágrafo:
Comunicado em 20 de março: “Votaram por uma redução de 0,50 ponto percentual os seguintes membros do Comitê: Roberto de Oliveira Campos Neto (presidente), Ailton de Aquino Santos, Carolina de Assis Barros, Diogo Abry Guillen, Gabriel Muricca Galípolo, Otávio Ribeiro Damaso, Paulo Picchetti, Renato Dias de Brito Gomes e Rodrigo Alves Teixeira.”
Comunicado de hoje: “Votaram por uma redução de 0,25 ponto percentual os seguintes membros do Comitê: Roberto de Oliveira Campos Neto (presidente), Carolina de Assis Barros, Diogo Abry Guillen, Otávio Ribeiro Damaso e Renato Dias de Brito Gomes. Votaram por uma redução de 0,50 ponto percentual os seguintes membros: Ailton de Aquino Santos, Gabriel Muricca Galípolo, Paulo Picchetti e Rodrigo Alves Teixeira.”
Comentário: O último parágrafo, protocolar nas últimas reuniões em função do consenso entre os membros do comitê, ganhou protagonismo. A decisão se mostrou apertada: 5 votos a favor do corte em 0,25% e 4 votos a favor de novo corte em 0,5%. Dos quatro votos a favor ao corte de 0,5% todos foram indicados pelo Presidente Lula. Dos 5 votos a favor ao corte de 0,25% todos foram indicados pelo ex-Presidente Bolsonaro. Os mandatos de Roberto Campos Neto, Presidente do BC, Carolina Barros (diretora de Relacionamento, Cidadania e Supervisão de Conduta) e Otávio Damaso (diretor de regulação) terão mandato encerrado ao final de 2024, de modo que o Presidente Lula terá indicado 7 dos 9 votantes em 2025.
Assim, o índice Bovespa encerrou o pregão em alta de 0,21%, a 129.480 pontos. O dólar comercial avançou 0,43%, a R$ 5,088.
Boa noite e até amanhã.
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Felipe Galvão, CGA, CFP ®️;